Por Vladimir Nepomuceno
Tramitação
A partir do acordo entre os presidentes da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira (PP/AL) e do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG) com o ministro da Economia, Paulo Guedes, quanto a urgência na tramitação da PEC 186/19, o presidente da Câmara dos Deputados, ao receber nessa quinta-feira, 4, o texto aprovado pelo Senado, declarou que a PEC 186/19 deverá ser votada em plenário na Câmara dos Deputados na próxima quarta-feira, dia 10 de março. Para isso, o texto será apresentado aos deputados na segunda-feira e levado ao plenário para começar a discussão na terça-feira, concluindo a votação na quarta-feira, 10, segundo declarou o presidente da Câmara, Arthur Lira.
A fim de garantir a extrema celeridade proposta para a tramitação, logo após o recebimento formal, a PEC foi declarada excepcionalmente em regime de tramitação especial, sujeita à apreciação direta do plenário daquela Casa, inclusive quanto à sua admissibilidade. Essa decisão do presidente da Câmara se respaldou no argumento de a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJ, que é passagem obrigatória de qualquer proposição apresentada na Câmara, ainda não estar instalada para este ano legislativo. Dessa forma, a análise e o debate, se darão a partir de um substitutivo apresentado diretamente em plenário pelo relator, o deputado Daniel Freitas (PSL/SC), já formalmente anunciado. Inclusive, o deputado relator já se reuniu com o ministro Paulo Guedes, se comprometendo a manter na íntegra o texto recebido do Senado.
Segundo declaração do relator à imprensa na sexta-feira, 5, o texto a ser apresentado ao plenário da Câmara será o mesmo aprovado pelo Senado no dia 4 último, visando garantir a celeridade proposta pelo acordo da direção do Congresso com o ministro da Economia. A preocupação alegada foi que, em caso de alguma modificação pela Câmara na redação aprovada pelo Senado, o texto terá que ser remetido de volta ao Senado para nova tramitação, com análise e votação do novo texto, o que atrasaria ainda mais a edição da proposição (provavelmente uma Medida Provisória) que definirá o detalhamento de concessão e os critérios de pagamento do auxílio emergencial. Caso não haja alterações no texto da PEC 186, o resultado da votação será comunicado imediatamente ao Presidente do Senado, que em seguida deverá convocar sessão do Congresso para promulgação da emenda.
Dessa forma, qualquer intenção de alteração do texto (emenda) deverá, assim como foi no Senado, ter um prazo exíguo para apresentação, provavelmente até poucas horas antes do início da discussão em plenário na terça-feira, 9, a fim de ser apreciada pelo relator que poderá acatar em seu relatório ou não. No entanto, com a declaração à imprensa feita pelo relator quanto a manutenção integral do texto recebido do Senado, fica a indicação previa de rejeição de qualquer emenda que venha a ser apresentada.
Devemos observar que, no debate em plenário, segundo o regimento interno da Câmara, o regime de urgência dispensa o cumprimento de interstício ou formalidades regimentais, o que pode permitir a votação ainda no mesmo dia dos dois turnos exigidos para aprovação de uma PEC. Também em relação à discussão em plenário, será possível a apresentação de emendas em forma de destaques por bancada, não sendo permitido destaque de expressão cuja retirada inverta o sentido da proposição ou a modifique substancialmente.
Por fim, diante do quadro apresentado e considerando a estratégia montada pelo governo e seus apoiadores no parlamento e a correlação de forças entre esses e os que divergem da proposta, a menos que haja uma boa articulação, aliada à forte pressão externa, dificilmente terá sucesso qualquer tentativa de alteração do texto da PEC 186/19, devendo ser confirmado o texto aprovado pelo Senado Federal.
No entanto, há que ser lembrado que para aprovação da PEC na Câmara dos Deputados serão necessários 308 votos favoráveis à proposta nos dois turnos de votação. Caso os defensores da PEC ainda que tenham a maioria dos votos, não atinjam o número exigido de 308 votos favoráveis ao texto, esse será rejeitado.
Alguns pontos da PEC 186/19 que merecem destaque
– Na verdade, são duas PECs em uma. A original, que propunha o congelamento de despesas obrigatórias, que no relatório substitutivo foi denominado de estado de emergência fiscal. Nessa proposta constavam, desde 2019, a implantação dos mecanismos de ajuste fiscal (os gatilhos), que impedem reajustes e correções, além de criação de novas despesas obrigatórias, onde estão, além das despesas de pessoal, as despesas em saúde, educação, benefícios previdenciários e de assistência social, entre outras.
Em relação à União e seus servidores, cabe lembrar que essas medidas, incluindo o congelamento de remunerações, benefícios e outras verbas referentes à pessoal, já constam da Constituição Federal, no artigo 109 das Disposições Constitucionais Transitórias. A PEC 186/19 amplia a quantidade de gatilhos e aprofunda as limitações. Já os estados, municípios e o Distrito Federal, passam a contar com as mesmas limitações, na forma proposta, a partir da aprovação da PEC 186 e sua promulgação.
– Usando de chantagem, o governo, através de seu representante e relator no Senado, senador Márcio Bittar (MDB/AC), incluiu o que foi nominado como estado de calamidade pública de âmbito nacional. Com isso, sempre que o país se encontrar em estado de calamidade pública, os mesmos gatilhos de que impedem reajustes e correções, além de criação de novas despesas obrigatórias serão aplicados, pelo tempo que durar a calamidade pública.
– A segunda PEC, incluída no texto oportunisticamente e para uso de chantagem, pode ser identificada a partir do artigo 3º do texto aprovado no Senado. Essa sim, voltada ao combate à pandemia da covid-19, trata da concessão do auxílio emergencial, autoriza a contratação de empréstimo e libera do cumprimento, em 2021, do teto de gastos e da regra do ouro as despesas decorrentes da concessão do auxílio, porém, limitando ao montante de R$ 44 bilhões (equivalente à aproximadamente 15% do gasto com o mesmo auxílio em 2020). No entanto, a PEC restringe essa autorização em relação aos gastos à União, não autorizando que estados e municípios e o Distrito Federal possam contrair empréstimos como mesmo fim.
– O texto determina que, no prazo de 6 meses, o presidente da república deve encaminhar ao Congresso Nacional, plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas dos respectivos impactos orçamentários e financeiros.
– Assim como na primeira parte do substitutivo aprovado no Senado, também na segunda parte o governo se aproveita e inclui determinação de que, até o final do segundo exercício financeiro posterior à data da promulgação da Emenda Constitucional, o superávit financeiro das fontes de recursos dos fundos públicos do Poder Executivo, apurados ao final de cada exercício, poderá ser destinado à amortização da dívida pública do respectivo ente. O que tira qualquer possibilidade de investimento do saldo financeiro positivo pelos entes da Federação até 2023.
Graças à pressão e articulação da bancada de oposição no Senado, junto com diversas entidades, foram ressalvados da perda de superávit os fundos públicos de fomento e desenvolvimento regionais, operados por instituição financeira de caráter regional, assim como os fundos Nacional de Segurança Pública, Penitenciário Nacional, Nacional Antidrogas, Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, de Defesa da Economia Cafeeira, para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal, Nacional para a Criança e o Adolescente e, por fim, o Fundo Nacional da Cultura. Diversos outros fundos, tão importante quanto os excepcionalizados, terão seus superávits confiscados para remessa ao sistema financeiro.