Guinada conservadora que ajudou a trocar metade dos deputados federais também trouxe grande número de parlamentares ligados a corporações, como coronéis, cabos, policiais e generais
A guinada conservadora que ajudou a fazer uma grande renovação no quadro de deputados pode não ser suficiente para garantir que o futuro presidente da República consiga aprovar projetos de lei que reduzam os benefícios do funcionalismo, um dos mais poderosos lobbies dentro do Congresso. Além dos próprios parlamentares, o grupo conta com centenas de sindicatos, associações e com os próprios servidores dentro dos gabinetes e assessorias do parlamento.
Dos novos deputados eleitos, ao menos 50 se identificam declaradamente com algum grupo específico, pelos nomes que adotaram nas urnas. São pastores, cabos, delegados, professores, doutores, coronéis e capitães que assumem a defesa de suas categorias, a grande maioria ligada ao funcionalismo. Alguns se enquadram até em mais de um desses grupos.
A atuação parlamentar dos grupos pró-corporações desafia a lógica partidária. Exemplo disso é o deputado do PSL Luciano Bivar (PE).Ele defende as ideias do liberalismo econômico e prega a eficiência do Estado, mas, ao mesmo tempo, atua em uma frente parlamentar que tem como objetivo a “defesa da Casa da Moeda”. Outros quatro filiados ao PSL também participam do grupo, que tenta evitar a privatização da estatal. Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência, é favorável à venda de estatais, com exceção daquelas consideradas estratégicas, como Petrobras e bancos públicos.
Como era a legislatura atual
Na atual legislatura da Câmara, os deputados que defendiam os interesses dos servidores públicos e a manutenção de empresas estatais e órgãos públicos eram maioria, o que dificultou a vida do governo em votações como a da Reforma da Previdência e na postergação de aumentos salariais de 2018.
Alguns deles assumiram, abertamente, a pauta da defesa de benefícios aos funcionários públicos e servidores. O deputado Rogério Rosso (PSD-DF), que neste ano se lançou ao governo do Distrito Federal e foi derrotado, fez da pauta a sua principal plataforma.
Exemplo do lobboy do funcionalismo foi a derrubada da proibição de aumentos aos servidores públicos na votação do Orçamento 2019. Um deputado afirmou que o “medo das urnas” fez os parlamentares preferirem agradar ao eleitorado do funcionalismo ao invés de moralizar os gastos públicos.
Grupos tentaram aumentar influência nas eleições deste ano
Grupos de servidores tentaram aumentar sua rede de influência no Congresso este ano. Disputaram uma vaga na Câmara dos Deputados nesta eleição 559 servidores públicos.
Os Policiais Federais criaram a Frente de Agentes Federais, lançando candidatos em todos os estados. Mas conseguiu eleger apenas um, Sanderson Federal (PSL-RS). A bancada também reelegeu dois de seus quadros, os deputados Aluísio Mendes (Podemos-MA) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Grupos pró servidores e anti privatizações terão peso
Mais um exemplo da atuação em defesa dos interesses do funcionalismo – e também da manutenção da máquina pública inchada que possibilita a distribuição de cargos e – são as frentes parlamentares. Estão em atividade na atual legislatura 340 frentes. Entre elas, diversas foram criadas para preservar os interesses do funcionalismo ou de grupos específicos de servidores, e também para tentar prolongar os debates sobre privatizações de empresas públicas.
É o caso da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, que tem atualmente 201 deputados. Desse total, 91 foram reeleitos.
O objetivo desse grupo é “garantir a estabilidade para os servidores, além de barrar propostas que possam ameaçar conquistas trabalhistas”, segundo informou o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), senador Paulo Paim (PT-RS), em 2016, quando a frente foi lançada. A Agência Senado registrou, à época, que Paim afirmou estar em curso um “ataque aos direitos dos trabalhadores tanto do setor público quanto da iniciativa privada”, e que o propósito da frente era “barrar esse avanço”.
Entre os integrantes da Frente, não há apenas deputados de oposição ao governo de Michel Temer, que tentou reduzir benefícios do funcionalismo para cortar gastos. A maioria dos deputados que integram a frente são filiados ao PP (31 deputados). A segunda maior bancada de partido integrante da frente é a do PT (21 deputados).
Outra frente parlamentar que reflete a atuação das corporações em torno de interesses regionais ou localizados é a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Casa da Moeda do Brasil, criada em março deste ano. Dos 208 deputados participantes, 99 foram reeleitos e estarão na nova legislatura, a partir de 2019.
A Casa da Moeda é uma das empresas estatais que estão na lista de projetos do Programa de Parcerias em Investimentos (PPI). A gestão Temer tentou iniciar o debate para realizar o processo de privatização, mas não conseguiu tirar do papel.
No lançamento da frente, o presidente do grupo, deputado Celso Pansera (que era filiado ao MDB mas migrou para o PT) afirmou que o objetivo do grupo é “garantir a soberania e o patrimônio nacionais. Funcionários da estatal e o presidente do sindicato dos servidores da Casa da Moeda participaram do ato de criação da frente.
A maioria dos integrantes da frente que pretende evitar a privatização da Casa da Moeda é da oposição a Temer, como do PT (36 deputados) e do PSB (18). Mas surpreende a participação de cinco deputados do PSL, partido do candidato Jair Bolsonaro, entre os integrantes do grupo. Delegado Francischini (PR), Luciano Bivar (PE), Major Olímpio (SP), Marcelo Álvaro Antônio (MG) e Professor Victório Galli (MT) integram o grupo.
Nova legislatura terá peso em temas militares e policiais
Entre os 513 deputados eleitos, 17 se associam já pelo nome com alas da segurança pública ou das Forças Armadas. Mas, além desses, ainda estão associados a essas categorias nomes como Eduardo Bolsonaro (policial federal) e os policiais militares Abou Anni (PSL-SP) e Daniel Silveira (PSL-RJ).
O Congresso também tem uma bancada atuante quando o assunto são os interesses das polícias ou dos militares. Tais grupos contam com associações atuantes e com dirigentes bem preparados, com acesso aos gabinetes dos parlamentares. Durante a tramitação da Reforma da Previdência, tais lobbies conseguiram proteger a elevação da idade mínima de aposentadoria para essas categorias.
Para proteger os direitos dos policiais federais, foi criada em 2016 a Frente Parlamentar em Defesa da Polícia Federal. Dos 239 deputados que participam desse grupo na atual legislatura, 78 foram reeleitos.
No lançamento da frente, participaram diversas associações e sindicatos da categoria, dando peso ao grupo. O então diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, participou do evento.
Segundo registro da Associação dos Delegados da PF (ADFP) sobre o evento, o deputado Celso Russomano (PRB-SP), presidente da frente, falou em “estabilidade” para os policiais durante o evento. “Acho (a autonomia) extremamente importante para que a Polícia Federal tenha estabilidade, inclusive nos cargos, para que possa atuar com independência total”.
Fonte: Gazeta do Povo