Em entrevista ao CB Poder desta terça-feira, os presidentes da Anauni e da Anafe afirmaram que responsabilidade de certos cargos exigem estabilidade
Os presidentes da Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni) e da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) comentaram, nesta terça-feira (8/10), a possibilidade de os futuros servidores públicos não contarem com estabilidade no serviço público. A proposta é estudada pelo Ministério da Economia como parte da reforma administrativa a ser enviado ao Congresso ainda este ano.
Em entrevista ao CB.Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília, tanto Márcia David, presidente da Anauni, e Marcelino Rodrigues, presidente da Anafe, defenderam que a estabilidade seja mantida para carreiras típicas de Estado, como auditores fiscais, delegados da Polícia Federal (PF), advogados públicos federais, entre outros.
Para Márcia David, acabar 100% com a estabilidade do funcionalismo público seria inconstitucional. “Existe um projeto do senador Lasier Martins (PODE-RJ) que prevê alguns critérios objetivos para que o servidor estável possa ser demitido. Mas outra coisa é acabar 100% com a estabilidade, porque, para isso, é preciso mudar a Constituição. Temos o princípio do não retrocesso. Então, servidores que já mantêm uma estabilidade não poderiam ser atingidos por esse retrocesso constitucional. Para acabar com a estabilidade de vez, o que seria nefasto, só se for para os servidores futuros”, defendeu a advogada.
Marcelino Rodrigues, representante da Anafe, concordou, mas acrescentou que essa discussão precisa levar em conta a “análise de atividades” dos funcionários públicos. “Não é simplesmente resguardar funcionários que estão daqui para trás e tirar (a estabilidade) de quem está daqui para frente. E o interesse público? Porque um advogado público ou um delegado da PF vai ter a mesma atuação, ele vai ser necessário. Existem áreas que podem ter uma mitigação dessa questão da estabilidade, mas temos que analisar o caso concreto e saber se isso é possível”, constatou Rodrigues. “Temos que trabalhar com a questão de direito adquirido, dos servidores que já estavam, e daqui para frente, avaliar as atividades e as atribuições de cada carreira, de quem é necessário ou não ter essa estabilidade.”
Atualmente, é comum que um servidor público ingresse na carreira com um salário relativamente elevado, em comparação com o salário inicial do setor privado. Segundo dados do Banco Mundial, o servidor público federal brasileiro recebe 67% a mais do que um empregado no setor privado em funções semelhantes.
Questionados a respeito dessa disparidade, os advogados da Anafe e Anauni defenderam que determinados cargos exigem uma remuneração superior. Para o presidente da Anafe, é preciso analisar a responsabilidade do servidor. Na entrevista de hoje, ele usou seu próprio caso como exemplo. “Talvez algumas atribuições sejam exercidas com um salário acima da média, mas acredito que não, até mais porque temos que fazer uma análise da responsabilidade daquele servidor”, afirmou Rodrigues. “Por exemplo, eu sou procurador da Fazenda Nacional, lido com processos tributários, processos de milhões passam pela mão de procuradores da fazenda todos os dias. Muitas vezes estou batendo de frente com advogados milionários, e estou ganhando muito para isso? Eu acho que não, acho que é uma coisa razoável e proporcional.”
Ele ainda ressaltou que não se pode comparar algumas atividades com outras. “Temos que levar isso em consideração, porque as atividades típicas de estado não podem ser substituídas pela atividade privada, isso não é possível, mas algumas sim, tanto que você tem a terceirização e a substituição em alguns casos. Agora, as atividades típicas (de estado, que independem do governo) tem que ser feitas por carreira e por servidores bem remunerados, e com prerrogativas, porque senão, daqui a pouco eu vou ter uma atuação em que eu vou ser retaliado por ter atuado neste caso”, defendeu o presidente da Anafe.
Já Márcia David, presidente da Anauni, reforçou que a discrepância de salários “está muito mais no nível médio” do funcionalismo público e privado. “Às vezes, cargos de nível médio são muito mais remunerados do que cargos de nível médio da iniciativa privada, enquanto o alto escalão, como o advogado da União que faz uma leniência, ele está ganhando muito menos do que o advogado privado da Odebrecht. Agora, um servidor administrativo que registra coisas em sistema, vai ganhar muito mais do que um assistente administrativo do escritório de uma empresa”, alegou David.
Férias de 60 dias
Atualmente, membros do Judiciário (como juízes e desembargadores) já têm direito à férias anuais de 60 dias, enquanto advogados, promotores e outros têm direito à apenas um mês (30 dias). Em julho, começou a tramitar no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 435/2018) que limita em 30 dias as férias de todos os servidores públicos do país e acaba com a licença prêmio. Então, no fim de setembro, a Anauni entrou com recurso extraordinário na Suprema Corte para garantir 60 dias de descanso por ano. Na entrevista de hoje, a presidente da associação justificou a medida.
“É importante a gente dizer que praticamente a totalidade dos advogados da União concorda com férias de 30 dias para todos os servidores públicos de todas as categorias. O que estamos questionando nessa ação, que é uma ação antiga, de aproximadamente 15 anos, foi a forma como o governo, na década de 90, fez a redução das férias de 60 dias para 30 dias. A lei que concedia férias de 60 dias foi recepcionada pela constituição como lei complementar, e depois na década de 90, em 97, foi extinto para os servidores em geral do executivo que detinham esse direito através de uma lei ordinária. O que estamos questionando é a forma como foi feita, não o conteúdo em si”, esclareceu Márcia David.
Ela ainda ressaltou que a Anauni “não discorda de que todos devem gozar de 30 dias de férias”. “Esse processo que chegou agora não é o único, a nossa associação não é a única que tem essa demanda. Foi realmente uma questão da forma como foi feita”, alegou a advogada. Segundo ela, o governo tem entendido que “benefícios concedidos no passado não são mais compatíveis hoje em dia”. “A própria reforma da previdência, chegou um determinado momento em que o governo viu que benefícios concedidos anos atrás não são mais compatíveis hoje em dia. E o que ele está fazendo? Mudando a Constituição quando precisa mudar, usando leis complementares”, exemplificou.
Já Marcelino Rodrigues explicitou que a Anafe apoia férias de 30 dias para todo o serviço público, “independente da carreira e da atribuição”. “Isso é o razoável, acho que é uma situação que vai ao reclame da sociedade, por um serviço público mais republicano e mais eficiente. Esse pedido das férias de 60 dias nunca fez parte da nossa pauta de pleitos da associação, e entendemos que o correto é que tenha uma isonomia para todo o serviço público”, destacou. Rodrigues ainda alegou que “há um impacto financeiro” na proposta que amplia as férias de advogados: “Isso porque você tem dois terços de férias que são pagos, existe a possibilidade até de venda dessas férias, então, é algo que nós entendemos que não é correto. O correto é você ter os 30 dias isonomicamente para todos.”
Fonte: Correio Braziliense