Só com mudança na correlação de forças no Congresso será possível impedir o avanço das reformas neoliberais e a recuperação de direitos.
Terminado o ano legislativo de 2021, é muito importante que comecemos a nos preparar para o próximo ano, 2022. Um ano de eleições gerais, assim como de continuidade da luta contra as reformas neoliberais que, ou tramitam no Congresso Nacional (algumas já aprovas), ou são implementadas pelo Executivo através de atos infralegais e de políticas de desmonte, como a não recomposição da força de trabalho, a redução drástica do orçamento em políticas públicas e a redução e fechamento de instituições públicas de alta necessidade para a Nação.
Em relação às políticas e práticas do Executivo, existe a necessidade da eleição de um presidente diametralmente oposto ao que ocupa o Palácio do Planalto desde 2019, dando continuidade ao processo iniciado em 31 de agosto de 2016, com a posse de Michel Temer.
Já em relação às proposições que se encontram no Congresso, como a PEC 32/20 – a “Reforma Administrativa”, ainda não submetida ao Plenário da Câmara por falta de garantia de votos que a aprovem, mais as PECs 187/19 e 188/19, partes do “Projeto Mais Brasil” do governo Bolsonaro junto com setores empresarial e financeiro, que seguem, por enquanto, devidamente “guardadas” no Senado, aguardando o momento favorável aos seus defensores, entre outros projetos, é necessário ter claro que a eleição mais importante é a do Legislativo federal. Simplesmente porque todos os projetos que se encontram nas duas Casas do Congresso (Câmara e Senado) independem do resultado da eleição presidencial. Mesmo projetos sobre temas que são de iniciativa privativa do presidente da república que já se encontram no Legislativo, cabe aos parlamentares a decisão de dar andamento à tramitação e decidir seus resultados, independente de quem venha a ser o chefe do Executivo.
Apesar da grande imprensa tratar exclusivamente da eleição presidencial e seus pré-candidatos, é fundamental uma atenção muito cuidadosa e especial aos candidatos às eleições dos Legislativos em 2022, onde serão eleitos 513 deputados federais (100% da Câmara dos Deputados), 27 senadores (1/3 do Senado), além dos deputados estaduais e governadores.
É muito importante levarmos em consideração que a possibilidade de eleição de um presidente da república progressista, que esteja preocupado com direitos sociais, como saúde, educação, ciência, tecnologia, meio ambiente, desenvolvimento, entre outras questões de real interesse nacional e com foco nas necessidades da população, pode não necessariamente significar o fim das reformas conservadoras neoliberais ou o desfazimento necessário de mudanças importantes, porém negativas, já aprovadas.
Se considerarmos a possibilidade de o Congresso Nacional manter o atual perfil, o retrocesso certamente irá continuar. É necessário ter em mente que no Brasil se pratica o “Presidencialismo de Coalizão”, onde o presidente da república depende de uma base de apoio político no Congresso. Como disse o cientista político Sérgio Abranches, “No Brasil, as coalizões não são eventuais, são imperativas. Nenhum presidente governou sem o apoio e o respeito de uma coalizão. É um traço permanente de nossas versões do presidencialismo de coalizão”. Nos dois casos em que isso não se deu os presidentes foram afastados e retirados do cargo pelo Congresso: Collor e Dilma.
A realidade brasileira, do “Presidencialismo de Coalizão”, nos remete a uma obrigatória análise da composição do Legislativo no último período, onde decisões importantes de corte de direitos sociais, como trabalhista, previdenciário, de acesso à saúde, à educação e à assistência social, além do avanço no desmonte do Estado, com de manipulação de verbas orçamentárias, reduzindo recursos de áreas estratégicas – saúde, educação, ciência, pesquisa, tecnologia, fiscalização e controle enquanto alimenta projetos políticos escusos através de “orçamentos secretos” e outras formas de emendas orçamentárias.
Cientes da importância do parlamento em um sistema de “Presidencialismo de Coalizão”, setores da elite brasileira, com apoio do mercado financeiro internacional, decidiram investir no crescimento e fortalecimento das bancadas que os representam. Essa decisão, inclusive, foi fundamental para a derrubada da chefe do Executivo em 2016, mesmo sem a comprovação de crime de responsabilidade.
Segundo análise do DIAP, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, através da publicação “Radiografia do Novo Congresso – Legislatura 2019-2023”, publicada em dezembro de 2018, a atual legislatura foi considerada a de perfil mais conservador desde a redemocratização em 1985, superando a legislatura anterior (2015-2019), que tinha perfil bem parecido e que derrubou a presidenta eleita. A seguir, alguns pontos na análise que compõem o perfil, confirmado durante três anos de mandato, até o momento:
Câmara dos Deputados
Perfil mais conservador desde a redemocratização em 1985
Liberal, do ponto de vista econômico;
Fiscalista, do ponto de vista da gestão (corte de despesas públicas);
Conservador, do ponto de vista dos valores, costumes e comportamento;
Mais à direita, do ponto de vista ideológico; e
Atrasado em relação aos direitos humanos, tratamento de setores considerados minorias e ao meio ambiente.
Ainda segundo a publicação do DIAP, houve uma falsa renovação na Câmara dos Deputados. Isso, porque:
Dos 242 deputados federais eleitos que não estavam na legislatura passada, 130 (53,7% do total de deputados federais considerados novos) já tinham mandato anterior como deputados estaduais, vereadores, prefeitos, governadores ou vice-governadores.
20 novos deputados têm vínculos diretos com políticos tradicionais, assessorando ou fazendo parte de clãs políticos.
Entre os 22 partidos com direito à liderança, apenas 4 novatos indicados como líderes partidários no início da legislatura.
A maioria dos deputados não se alinha por partido, mas por representações de segmentos (frentes temáticas – agronegócios, segurança, evangélicos, saúde privada, empresarial, outros).
Senado Federal
Em relação a composição do Senado Federal, que teve 2/3 do total de senadores eleitos em 2018, a avaliação do perfil para o período 2019/2023 não foi muito diferente da Câmara dos Deputados. Vejamos:
Perfil mais conservador desde a redemocratização em 1985
Liberal, do ponto de vista econômico;
Fiscalista, do ponto de vista da gestão (corte de despesas públicas);
Conservador, do ponto de vista dos valores, costumes e comportamento;
Mais à direita, do ponto de vista ideológico; e
Atrasado em relação aos direitos humanos, tratamento de setores considerados minorias e ao meio ambiente.
Composição:
Empresários de diversos ramos (comerciantes, produtores rurais e industriais), aproximadamente 50%;
Profissionais liberais, pouco mais de 30%
Outras profissões, em torno de 20%
O DESENVOLVIMENTO DAS BANCADAS SETORIAIS NO CONGRESSO NACIONAL
Abaixo, alguns gráficos mostram o desenvolvimento das representações de alguns setores na Câmara dos Deputados e no Senado Federal a partir das eleições de 2010 até as últimas em 2018, quando foram eleitos os atuais deputados federais e dois terços (54) dos senadores. A partir dos dados coletados nas publicações do DIAP, “Radiografia do Novo Congresso” nos anos de 2010, 2014 e 2018, traçamos o desenvolvimento das chamadas “bancadas temáticas”, que correspondem a setores de destaque na sociedade, sem relação direta com bancadas partidárias. Aqui são destacadas as bancadas representantes de interesses do empresariado, do agronegócio, de evangélicos (majoritariamente neopentecostais), da segurança pública, também conhecida como “bancada da bala” e a bancada originária da área sindical.
No período das três últimas eleições para a Câmara dos Deputados (2010-2018) é observado um ligeiro decréscimo nas bancadas de empresários e do agronegócio, enquanto as bancadas evangélica e da segurança pública/bala têm um leve crescimento. No mesmo período, é observada a diminuição da bancada sindical, que analisaremos mais adiante em separado, trazendo um discussão específica e necessária.
Sobre o conjunto de forças citadas acima observemos alguns pontos, como o fato de, ainda que tenha diminuído na Câmara, a bancada patronal segue sendo de longe a maior bancada da Casa. A bancada do agronegócio, assim como a representação patronal, também sofre na Câmara um pequeno decréscimo. No entanto, esse movimento é compensado pelo crescimento bem mais acentuado dessas mesmas duas forças no Senado Federal. No mesmo período (2010-2018) as bancadas evangélica e da segurança/bala viram suas representações crescerem nas duas Casas congressuais. Enquanto a bancada evangélica parte de 70 deputados na eleição de 2010 para 85 em 2018, na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, o mesmo segmento evoluiu de 3 para 7 senadores no mesmo período. Já a bancada da segurança/bala sai de 30 deputados em 2010 para 61 em 2018, enquanto no Senado sai de zero senadores em 2010 e 2014 para 9 senadores em 2018.
O resultado das representações dessas 5 bancadas nas duas Casas mostra um Congresso majoritariamente patronal e favorável às reformas neoliberais, como demonstrado pelo DIAP. Essa constatação se dá na soma das duas maiores bancadas do Congresso, a dos grandes empresários e do agronegócio, que, juntas detêm 55,36% dos deputados federais, 80,02% dos senadores, equivalendo a 58,75% do total de parlamentares congressistas. É uma das piores, senão a pior composição do Legislativo federal do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores urbanos e rurais, formais ou informais, públicos ou privados.
Cabe o destaque do desenvolvimento da bancada da segurança/bala com crescimento mais acentuado nas eleições de 2018, muito em função da vinculação de seus candidatos à figura de Jair Bolsonaro, candidato eleito presidente da república naquele ano. Já a bancadas evangélica, segundo alguns analistas, cresce no mesmo período de maior decréscimo da bancada sindical.
A REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES NO CONGRESSO NACIONAL
A partir observação da conjuntura política nacional em momentos eleitorais, alguns aspectos referentes ao desenvolvimento da representação sindical devem ser considerados. Par isso, é apresentado a seguir um conjunto de gráficos específicos desse desenvolvimento cobrindo um período maior, da eleição de 1998 à de 2018, facilitando a visualização desses momentos.
Em 2002, com o fortalecimento da ação sindical, aliado à rejeição crescente de Fernando Henrique Cardoso e à vitoriosa campanha de Lula à presidência da república, o movimento sindical elegeu a sua maior representação no Congresso Nacional, com 74 parlamentares, sendo 69 deputados e 5 senadores.
Durante os dois mandatos de Lula a bancada sindical sofreu oscilação, perdendo 15 vagas na Câmara, o que significou uma queda de 21,7% em 2006, recuperando parte dessa representação nas eleições seguintes de 2010, quando elegeu 64 deputados federais.
A partir das eleições de 2014 se observa uma acentuada queda na representação sindical, fruto, entre outras razões, da ofensiva dos setores conservadores, que, visavam, considerando a “Presidência de Coalizão”, fortalecer as suas representações no Congresso Nacional, tendo, entre outros objetivos reduzir o espaço de manobra do Executivo federal no Legislativo (o que resultou no impeachment da presidenta Dilma), além de implantar suas propostas de reformas com retirada de direitos sociais, com destaque para previdência, trabalho e sindical, reduzindo gastos públicos em políticas sociais, o que liberaria recursos para o sistema financeiro. O resultado foi a manutenção das bancadas patronal e do agronegócio como as duas maiores do Congresso, com destaque no Senado. Enquanto isso, a representação sindical na Câmara teve a bancada reduzida a 79,7% do mandato anterior. O que seria ainda mais acentuado em 2018, com a redução da bancada sindical na Câmara para 35 deputados, equivalente a 68,6% da legislatura anterior, ou 54,7% de 2010.
Bancadas evangélica e sindical
Ao observarmos o conjunto de gráficos iniciais deste artigo, podemos verificar que as linhas que representam as bancadas evangélica/neopentecostal e sindical são extremamente parecidas, só que em movimento invertido. O leve crescimento de uma corresponde à leve diminuição da outra. Um crescimento mais acentuado de uma corresponde à diminuição mais acentuada da outra. A partir dessa leitura se torna necessária um olhar mais apurado da questão.
A relação entre o crescimento da bancada evangélica em correspondente diminuição da bancada sindical, segundo alguns analistas se deve a alguns fatores que se destacam. O primeiro seria a atual estrutura sindical brasileira, que representa os trabalhadores formais dos setores público e privado. Considerando o número de 14, 4 milhões de desempregados e de 36 milhões de desempregados, segundo o IBGE, verificamos um contingente de 50,4 milhões de trabalhadores, aproximadamente 23% da população brasileira, que não está representado pela estrutura sindical formal. Logo, “é preciso que os sindicatos ouçam e acolham o povo, não só no trabalho, mas também na vida”, como disse Marcio Pochmann, economista e pesquisador e professor da Unicamp.
“O mundo do trabalho mudou e a sociedade é outra. As pessoas procuram instituições que retratam a vida e ao mesmo tempo esperança. Quando um desempregado ou desempregada está desamparada pelo Estado, quem procura? A igreja, né? Porque lá é próximo de onde moro, acolhida numa linguagem compreensível e ainda com fraternidade e solidariedade. O que gera identidade e pertencimento”, afirmou Pochmann na plenária da Confederação Nacional dos Metalúrgicos na CUT, em outubro deste ano.
Logo, não seria coincidente o crescimento da presença de igrejas evangélicas, majoritariamente neopentecostais, nesses segmentos da população e, por consequência, o aumento das bancadas ligadas a essas igrejas na Câmara e no Senado. Cabe às lideranças sindicais aprofundarem estudos e ações voltadas a atender essa parte da população, o que pode reverberar na representação parlamentar.
CONCLUSÃO
Como conclusão podemos dizer que é de extrema importância ter claro que qualquer movimento no sentido de interromper e até reverter, ainda que parcialmente, as reformas neoliberais, implementadas ou em tramitação no Congresso, passa obrigatoriamente por uma mudança considerável na atual correlação de forças no Congresso Nacional. Ainda que a inversão seja utópica, uma boa diminuição da distância entre as representações de patrões e de trabalhadores deve ser considerada. Até porque boa parte das reformas dependem de votação com quórum qualificado para serem aprovadas. Basta lembrar algumas “derrotas” da base governamental por não ter atingido os três quintos em votações de PECs em plenário. Daí a importância das eleições legislativas na luta contra as reformas.
Como dito acima, a eleição de um bom presidente da república, sem alteração na correlação de forças no Congresso Nacional não é suficiente para reverter todo o retrocesso imposto pelas forças ligadas à elite (patrões, agronegócios e mercado financeiro), com o apoio de um segmento patrimonialista e atrasado em relação a costumes, que se comporta como um bando de mercenários em votações de importância no Congresso, representado pelo chamado “Centrão”, que de políticos de centro não tem nada.
Precisamos ter parlamentares comprometidos com os interesses da população brasileira, que defendam políticas públicas, em especial as políticas sociais, além da recomposição e o reaparelhamento da estrutura do Estado, dando, principalmente, às camadas mais necessitadas do povo o atendimento digno e humano que necessitam e têm direito.
A postura das entidades de servidores públicos dos três Poderes e das três esferas de governo, em movimento inédito no Brasil, na luta contra a PEC 32/2020, impedindo a sua votação em plenário no Congresso em 2021, aliada ao esforço sobre-humano dos profissionais do SUS e de outros ramos da linha de frente no combate à pandemia, têm tudo para mostrar à população que irá às urnas em 2 de outubro de 2022 a importância e a necessidade de uma boa representação dos trabalhadores no Congresso Nacional, assim como nas assembleias legislativas.
Por fim, como exemplo da necessidade de permanente mobilização e da eleição de uma bancada sindical forte, é necessário lembrar que, a chamada “reforma administrativa”, a PEC 32/2020, não está morta nem enterrada, como alguns chegaram a pensar. A luta vitoriosa dos servidores impediu sua votação até as eleições de 2022. No entanto, a atual legislatura termina em 31 de janeiro de 2023. O que significa que o atual presidente da Câmara pode pôr o texto em votação entre outubro de 2022 e janeiro de 2023. Por isso, é importante a manutenção da mobilização das entidades sindicais para garantir a efetiva derrota dessa e de outras propostas de ataque ao povo brasileiro, o que só será possível com a eleição de uma bancada significativa ligada aos interesses dos trabalhadores.
Vladimir Nepomuceno